sábado, 13 de novembro de 2010

Coroa do Advento

Um olhar teológico-litúrgico e roteiro celebrativo para o acendimento
(Pe. José Adalberto Salvini)


1. Olhando para a história e o sentido teológico-litúrgico da Coroa do Advento

A origem da Coroa do Advento remonta o final do séc. XIX, na Alemanha, entre os cristãos de confissão evangélica e foi, aos poucos, sendo assumida também nas comunidades católicas daquele país e se espalhou para outras regiões.

No Brasil a coroa do advento chegou já nos inícios do séc. XX, com a vinda de imigrantes e missionários daquelas regiões da Europa.

Pouco a pouco a coroa do advento foi ganhando sentido e interpretação à luz da espiritualidade litúrgica do Advento, considerado tempo propício de espera e vigilância dos cristãos para a vinda gloriosa do Senhor.

Neste sentido, podemos buscar na antiga prática judaica do acendimento da vela no Shabat uma salutar interpretação. O acendimento das velas é símbolo não só da espera, mas, sobretudo, da acolhida do sábado. Conforme a tradição judaica, é a mulher quem acende as velas; pela índole de sua missão no lar ela é a responsável por criar o ambiente sabático, pois, como dizem os sábios de Israel, “não há bem-estar sem a luz”. Este acendimento representa também a expiação pelo pecado de Eva, que ao comer do fruto da árvore proibida “apagou a luz do mundo”. Acender as velas significa romper com as trevas do mundo, romper com o pecado. Por isso, a primeira vela se acende para recordar (zaror) o sábado e santificá-lo; a segunda vela se acende para cuidar, vigiar (shamor) o dia do sábado para santificá-lo.

Entendemos que se para Israel esta luz haverá de se manifestar em sua plenitude com a chegada do Messias, significada no advento do sábado[1], para nós, cristãos, esta luz já se manifestou na Encarnação do Verbo eterno de Deus, nascido do seio da Mulher obediente, a Virgem Maria: “E o Verbo era a luz verdadeira que ilumina todo homem” (Jo 1,9); manifestou-se de forma particular com a ressurreição de Jesus Cristo, como afirma a fórmula litúrgica: “A luz de Cristo que ressuscita resplandecente dissipe as trevas de nosso coração e nossa mente”[2]; e há de manifestar-se em sua plenitude por ocasião da vinda gloriosa do Senhor: “A cidade não precisará do sol ou da lua para a iluminarem, pois a glória de Deus a ilumina, sua lâmpada é o Cordeiro. As nações caminharão na sua luz” (Ap 21,23-24a.). Neste dia estaremos participando da “festa da eterna luz”.[3]

Os elementos que compõem a coroa do advento também nos ajudam a fazer uma leitura muito interessante dos significados. Ela é confeccionada em forma circular e ornada com cipreste verde e velas vermelhas (conforme a origem alemã) ou velas coloridas (pela influência afro-indiginista da cultura dos povos latino-americanos – sendo cada vela de uma cor ou, ainda, três velas roxas e uma vela rósea).

O círculo, feito de ramos verdes – ciprestes, simboliza a perfeição divina, pois o círculo não tem início, nem fim. De fato, Cristo, alfa e ômega, é o princípio e fim de todas as coisas[4].

Os ramos verdes simbolizam a resistência da vida que persiste em se manifestar, mesmo diante das adversidades deste mundo presente. Tanto na Europa, quando no inverno os pinheiros são as únicas árvores que permanecem com suas folhas vicejantes, quanto no Brasil, quando após a seca do inverno, chegam as primeiras chuvas primaveris e a natureza ressurge com tenros rebentos que brotam nos troncos, o verde natural fala da vida nova que foi trazida com o nascimento do Salvador. Torna-se sinal da vinda do Messias que veio para fazer novas todas as coisas, e para que todos tenham a vida em plenitude.

As velas que acompanham os quatro domingos litúrgicos e são colocadas sobre o círculo de ramos verdes simbolizam os pontos cardeais, sinal de que todo o universo vai sendo inundado com a luz do Messias que vem, ele que é “luz de todas as nações” (Lc 1,32)[5]. Expressa igualmente a nossa progressiva prontidão em acolher o Salvador que vem, tendo em nosso agir a dinamicidade de atitudes que tornem visível a manifestação do Reino já presente em nosso meio e, deste modo, antecipem a manifestação plena do “novo céu e a nova terra, onde habitará a justiça” (2 Pd 3,13).

O vermelho das velas simboliza o imenso amor com que Cristo se ofereceu pela Salvação da humanidade e, de forma livre e generosa, banhou o mundo com o seu Sangue derramado na Cruz. Pode significar igualmente a realeza daquele que sendo o Messias, Rei e Sacerdote eterno”, é um descente da casa de Davi.[6] Caso as velas sejam coloridas este sinal poderá ser expresso por uma fita de tecido vermelho que entrelace os ramos verdes e as velas. Neste caso, além de simbolizar a diversidade cultural dos povos e nações, expressará a alegria com que celebramos a revelação histórica do “mistério mantido em sigilo desde sempre (...) e levado ao conhecimento de todas as nações” (Rm 16,25b.26b), bem como a alegre expectativa com que vigilantes mantemos acesa a chama do espírito enquanto aguardamos a manifestação definitiva do Senhor Jesus Cristo que virá em glória (Cf. 1 Ts 5,19.23).

A coroa do advento não deve ter ornamentos com brilhos, mas tão somente a simplicidade opaca dos elementos que a compõem e o brilho da luz com que vigilantes aguardamos a vinda de Jesus. Adornar a coroa do advento com outros elementos seria o mesmo que antecipar o brilho da luz definitiva que só deverá ser expressa na noite santa do natal.

A preparação da coroa do advento e a arrumação da casa para a chegada do Messias sugere algo maior que é a arrumação do templo espiritual onde Deus quer habitar, ou seja, do próprio coração da pessoa humana. Hoje, o Cristo se manifesta presente em cada pessoa humana e nela quer ser acolhido. Sua presença é libertadora provoca a ruptura com as trevas das injustiças e as diversas formas de exclusões que ofuscam a manifestação da luz do Reino da justiça e do amor inaugurado por Jesus. Deste modo, a verdadeira preparação para a vinda do Senhor se faz à medida que cada cristão deixa brilhar a chama da fé batismal, comprometendo-se com a missão que lhe foi confiada na unção com o Divino Espírito. Será mantendo acesa esta chama batismal que chegaremos “com segurança ao reino da luz e da vida” (Ritual da Unção dos Enfermos, n. 114.2).

2. Dicas para o acendimento das velas da coroa do advento durante a celebração

Aqui propomos um roteiro básico para o acendimento das velas da coroa do advento, sendo uma estrutura única e simples, com duas opções de textos e melodias.

Primeiro passo: Após a saudação inicial, a breve recordação da vida e o ato penitencial, uma mulher grávida (eventualmente acompanhada de seu marido e filhos já nascidos), tendo como ponto de partida a porta principal da igreja, caminha em direção à da coroa do advento levando uma vela acesa. Enquanto se aproximam a comunidade canta o refrão meditativo: Vem vindo a libertação!Ergam a cabeça, levantem do chão![7]

Segundo passo: Chegando junto ao presbitério e estando perto da coroa do advento, ao ser concluído o canto do refrão, a mulher levanta a vela e reza-se a seguinte oração, que é a mesma para todos os domingos: “Bendito sejas, Deus bondoso, pela luz de Cristo, sol de nossas vidas, a quem esperamos com toda ternura do coração”. Outra opção será que o esposo faça a oração e a mulher mantenha a vela levantada.

Terceiro passo: Em seguida, se acende a respectiva vela da coroa do advento, enquanto o grupo de cantos entoa a estrofe e refrão, correspondete para cada domingo, como segue abaixo nas duas propostas abaixo.

Primeira proposta

Uma opção para o canto do acendimento poderá ser o texto musicado pelo Maestro Américo Donizete Batista. (Cf. Apostila com partituras e CD – caseiro, fornecido no Encontro Diocesano de Formação Litúrgico Musical, realizado na Diocese de Jaboticabal, em 2006).

1º Domingo:

1. A primeira vela ascendemos

Onde havia escuridão se encontra a luz
Vigilantes, Senhor, aguardaremos
Este é o tempo do advento de Jesus.

Refrão: Vinde, ó Mestre, esperamos pelo dia
quando em nosso meio vai estar
Com Maria, a Mãe Santa preparamos,
a morada no coração, seu lar.

2º Domingo:

2. Outra vela nós ascenderemos,

A coroa recebe nova luz,
E por nossa vontade, Pai, queremos,
Consolar o irmão aflito, meu Jesus.

Refrão: Vinde, ó Mestre, esperamos pelo dia
quando em nosso meio vai estar
Com Maria, a mãe Santa preparamos,
a morada no coração, seu lar.

3º Domingo:

3. A terceira vela que ascendemos

Ao cantarmos: “Alegrai-vos no Senhor”,
Transbordando alegres pratiquemos
A justiça, o perdão e o amor!

Refrão: Vinde, ó Mestre, esperamos pelo dia
quando em nosso meio vai estar
Com Maria, a mãe Santa preparamos,
a morada no coração, seu lar.


4º Domingo:

4. Hoje é a quarta vela que ilumina

Da coroa a última a brilhar
Com a chegada de Cristo, o Messias,
Nobre irmão, em nós o seu Reino implantar.

Refrão: Vinde, ó Mestre, esperamos pelo dia
quando em nosso meio vai estar
Com Maria, a mãe Santa preparamos,
a morada no coração, seu lar.


  • Em seguida, quem preside reza a oração coleta. Após o amém da oração coleta a celebração prossegue conforme o costume. A liturgia da Palavra poderá se inciar com um omentário único e breve sobre as leituras ou refrão meditativo.


Segunda proposta

Uma outra opção para o canto do acendimento poderá ser o texto musicado pela Ir. Míria Kolling. (Cf. KOLLING, Míria T. 20º Encontro de Liturgia e Canto Pastoral: São Paulo, p. 25, n. 26, apostila de partituras 2005).


1º Domingo:

Uma vela, na cora acendemos,
toda sombra se esvai com sua luz;
Vigilantes, o Senhor esperemos:
Chegou o tempo do Advento de Jesus.

Refrão: Meus irmãos, penitência e oração! Arrumemos nossa casa co´alegria! Logo a ela, o Senhor vai chegar pelo ventre imaculado de Maria!


2º Domingo:

Outra vela, na cora acendemos,
Penitentes, nos caminhos do Senhor.
Consolando os aflitos busquemos
Novos céus e nova terra, com ardor!

Refrão: Meus irmãos, penitência e oração! Arrumemos nossa casa co´alegria! Logo a ela, o Senhor vai chegar pelo ventre imaculado de Maria!


3º Domingo:

A terceira vela hoje acendemos
E cantamos: “Alegrai-vos no Senhor!”
No deserto, uma voz escutemos:
“Praticai a justiça e o amor!”

Refrão: Meus irmãos, penitência e oração! Arrumemos nossa casa co´alegria! Logo a ela, o Senhor vai chegar pelo ventre imaculado de Maria!


4º Domingo:

Acendemos, hoje a última vela,
Pois tão logo o Emanuel já vai chegar.
Com Maria, todos juntos, na espera,
“Deus-Conosco”, pro seu Reino implantar!

Refrão: Meus irmãos, penitência e oração! Arrumemos nossa casa co´alegria! Logo a ela, o Senhor vai chegar pelo ventre imaculado de Maria!



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[1] Mui significativo é o rito da Kabalat Shabat, quando quase ao final do poema a assembléia se volta para a entrada da sinagoga, esperando a chegada da noiva, ou seja, do Sábado, e se contempla o poema que diz: “Vem em paz, com alegria e regozijo... vem noiva, Shabat a rainha...”.
[2] Cf. Missal Romano. Vigília Pascal, n. 12, p. 272. A eucologia do tempo do natal também traz rico elenco de preces que apontam para este mesmo sentido. Cf., por exemplo, a oração coleta da noite do natal: “... fizestes resplandecer esta noite santa com a claridade da verdadeira luz”; a oração coleta do quinto dia da oitava do natal: “... dissipastes as trevas do mundo com a vinda da vossa luz”; a antífona de entrada “b” da solenidade da Santa Mãe de Deus: “Hoje surgiu uma luz para o mundo...” (Is 9,2); a oração coleta do segundo domingo do natal: “... manifestai-vos a todos os povos no fulgor da vossa luz”; oração pós-comunhão da solenidade da epifania do Senhor: “... guiai-nos sempre e por toda parte com a vossa luz celeste...”; o prefácio do natal do Senhor I: “... nova luz da vossa glória brilhou para nós”. Estes são alguns dos muitos exemplos eucológicos que poderíamos citar.
[3] Ibidem, n. 9, p. 271.
[4] Ibid., n. 10, p.272.
[5] Antífona de entrada da quarta-feira para os dias de semana até 16 de dezembro: “O Senhor vai chegar, não tardará: há de iluminar o que as trevas ocultam e se manifestará a todos os povos” (Hbc 2,3: 1Cor 4,5). Cf. Missal Romano, p. 136.
[6] Várias antífonas de entrada expressam este aspecto da realeza de Jesus Cristo: Cf. dias 18, 20, 22 de dezembro; também a missa da aurora no dia de natal.
[7] Cf. Ofício Divino das comunidades, suplemento 1 – refrões meditativos, p. 23, n. 42.

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